O leão e o coelho salitão, Ondjaki
Certa tarde, o
Leão, rei da Floresta Grande, estava esfomeado e cansado de comer ervas e
peixe-seco. Chamou o seu amigo Coelho Saltitão para resolver este
problema da fome.
– Meu grande amigo Coelho – cumprimentou o Leão.
– Leão, meu velho... Como vai essa saúde?
– A saúde vai mais ou
menos... O pior é a fome. Não aguento mais comer raízes e frutos que não
sabem a nada. Apetece-me carne, carne fresca e abundante. Entendes?
– Entendo, meu velho –
respondia o Coelho Saltitão, sempre mantendo alguma distância do Leão,
não fosse o rei querer resolver o problema do seu apetite com carne de
coelho amigo.
– Chega-te mais perto de mim – pediu o Leão.
– Não, obrigado, meu velho,
estou bem a esta distância. Além disso, hoje faz muito calor, não há
necessidade de estarmos muito chegados. Mandaste chamar-me?
– Sim – disse o Leão,
enquanto passava a língua pelos lábios, molhando os seus velhos bigodes.
– Pensei que talvez tivesses uma ideia para arranjar alguma carne
fresca. Tu és um animal cheio de ideias.
O Coelho deu dois saltinhos e
afastou-se um pouco mais. Estava pensativo, mexia as patas esgravatando
o chão em busca de qualquer bichinho que não apareceu.
– Sim, tenho uma ideia, meu velho.
– Tens de chegar mais perto, quase não te escuto – disse o Leão.
– Então eu falo mais alto – respondeu o Coelho Saltitão.
– Mas não grites, pois outros
animais poderão ouvir o teu plano. A sério, podes chegar mais perto que
eu não gosto de carne de coelho – garantiu o Leão.
– Nunca digas desta carne não
comerei – murmurou o Coelho Saltitão, mas lá deu dois saltinhos
aproximando-se do rei da Floresta Grande.
O Coelho explicou ao Leão que
era uma boa ideia prepararem um lugar apertado, com paus altos, como se
fosse um pequeno quintal, onde ele, o Coelho, faria o enterro do seu
cão. Depois convidariam todos os animais da Floresta Grande para virem
ao funeral e...
– Mas tu tens um cão? – interrompeu o Leão, muito espantado.
– Não, claro que não.
– Então como é que o vais enterrar?
– Não entendes, meu velho... O cão és tu – sorriu o Coelho Saltitão.
– Então eu não sou o Leão?! – o rei da Floresta coçou a testa.
– Deixa-me terminar, meu
velho, a ver se entendes o plano. Eu digo que tinha um cão, e que o meu
cão morreu de fome. Convido-os para um enterro daqueles que nós fazemos
aqui na nossa Floresta, com muita bebida. Tu ficas quieto como se fosses
o cão morto. Quando todos estiverem bêbados e adormecerem, finalmente
teremos uma bela refeição e ainda vai sobrar carne para muitos meses.
– Mas tu comes carne? – perguntou o Leão.
– Ando um pouco cansado de cenouras – explicou o Coelho.
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