sábado, 11 de outubro de 2014
"LIMPO PALAVRAS", ÁLVARO MAGALHÃES
Recolho-as à noite, por todo o lado:
a palavra bosque, a palavra casa, a palavra flor.
Trato delas durante o dia
enquanto sonho acordado.
A palavra solidão faz-me companhia.
Quase todas as palavras
precisam de ser limpas e acariciadas:
a palavra céu, a palavra nuvem, a palavra mar.
Algumas têm mesmo de ser lavadas,
é preciso raspar-lhes a sujidade dos dias
e do mau uso.
Muitas chegam doentes,
outras simplesmente gastas, estafadas,
dobradas pelo peso das coisas
que trazem às costas.
A palavra pedra pesa como uma pedra.
A palavra rosa espalha o perfume no ar.
A palavra árvore tem folhas, ramos altos.
Podes descansar à sombra dela.
A palavra gato espeta as unhas no tapete.
A palavra pássaro abre as asas para voar.
A palavra coração não pára de bater.
Ouve-se a palavra canção.
A palavra vento levanta os papeis no ar
e é preciso fechá-la na arrecadação.
No fim de tudo voltam os olhos para a luz
e vão para longe,
leves palavras voadoras
sem nada que as prenda à terra,
outra vez nascidas pela minha mão:
a palavra estrela, a palavra ilha, a palavra pão.
A palavra obrigado agradece-me.
As outras não.
A palavra adeus despede-se.
As outras já lá vão, belas palavras lisas
e lavadas como seixos do rio:
a palavra ciúme, a palavra raiva, a palavra frio.
Vão à procura de quem as queira dizer,
de mais palavras e de novos sentidos.
Basta estenderes a mão para apanhares
a palavra barco ou a palavra amor.
Limpo palavras.
A palavra búzio, a palavra lua, a palavra palavra.
Recolho-as à noite, trato delas durante o dia.
A palavra fogão cozinha o meu jantar.
A palavra brisa refresca-me.
A palavra solidão faz-me companhia.
"FUNDO DO MAR", SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDERSEN
No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.
Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
Uma flor dança,
Sem ruído vibram os espaços.
Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.
Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.
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"TENHO UMA JANELA", MÁRIO CASTRIM
Tenho uma janela
que dá para o mar
barcos a sair
barcos a entrar
tenho uma janela
que dá para o mar
sonhos a partir
sonhos a chegar
tenho uma janela
que dá para o mar
um fio de fumo
uma sombra além
uma história antiga
um cantar de vela
um azul de mar
tenho uma janela
que dá para o mar
tenho uma janela
que seria bela
seria mais bela
que qualquer janela
janela fosse ela
de Lua ou de estrelas
ou qualquer janela
de qualquer escola
se não fosse aquele
pescador já velho
que anda pela praia
a pedir esmola
barcos a sair
barcos a entrar
chego-me à janela
e não vejo o mar.
"CHUVA" LUÍSA DUCLAS SOARES
Cai a chuva, ploc, ploc
corre a chuva ploc, ploc
como um cavalo a galope.
corre a chuva ploc, ploc
como um cavalo a galope.
Enche a rua, plás, plás
esconde a lua, plás, plás
e leva as folhas atrás.
esconde a lua, plás, plás
e leva as folhas atrás.
Risca os vidros, truz, truz
molha os gatos, truz, truz
e até apaga a luz.
molha os gatos, truz, truz
e até apaga a luz.
Parte as flores, plim, plim
maça a gente plim, plim
parece não ter mais fim.
maça a gente plim, plim
parece não ter mais fim.
"CANÇÃO DA CHUVA", ANTÓNIO DE SOUSA
Bate a chuva, tic...tic...
Nas vidraças da janela.
Canta a chuva, tic...tic...
Que linda canção aquela!
Nas vidraças da janela.
Canta a chuva, tic...tic...
Que linda canção aquela!
Tic...tic...tic...tic...
Que linda canção aquela
De meninas ao despique:
- Qual de nós será mais bela?
Que linda canção aquela
De meninas ao despique:
- Qual de nós será mais bela?
Meninas a fazer meia
Com as nuvens de novelo,
Nenhuma delas é feia!
Com as nuvens de novelo,
Nenhuma delas é feia!
Tic...tic...tic...tic...
Tenho um medo que me pelo,
Que alguma delas me pique.
Tenho um medo que me pelo,
Que alguma delas me pique.
João Pedro Mésseder é, seguramente até este momento, o autor português que mais tem participado em projectos de escrita colaborativa com diferentes grupos de crianças, de que resultaram já algumas publicações interessantes. Estes projectos, desenvolvidos por escolas sensibilizadas para a importância da promoção da leitura e da escrita literárias, caracterizam-se pelo contacto especial que autor e pequenos leitores mantêm e desenvolvem ao longo de um determinado período de tempo durante o qual vão partilhando textos que escrevem e co-escrevem. A edição de alguns desses textos resulta, simultaneamente, num incentivo à realização de trabalho semelhante em outras escolas, mas também num documento que regista e cristaliza a memória de uma parceria significativa e marcante no percurso das crianças. Aqui, os textos poéticos brincam com as palavras, as letras e os sons, criando humor; recriam a tradição oral das rimas infantis e populares; tratam temas e motivos semanticamente significativos, como a família e os afectos, a multiculturalidade e o respeito pela diferença. As ilustrações também resultam da colaboração das crianças e da ilustradora, que soube dar cor e forma aos afectos que fazem este livro. | Ana Margarida Ramos |
Título Eu, Nós e os Outros | Autor(es) João Pedro Mésseder, Alunos do Externato Paraíso dos Pequeninos, Gabriela Sotto Mayor (Ilustrador), Alunos do Externato Paraíso dos Pequeninos (Ilustrador) | Tipo de documento Livro | Editora Trampolim Edições | Data de edição 2009 | Área Temática Poesia, Jogo | ISBN 978-989-8267-02-3 | |
Raras Aves Raras foi um livro diferente que envolveu mais pessoas do que as já habituais. Como já vos contei ,
deste projecto fizeram também parte o Zoo de Lourosa e os alunos do
grupo Escolaglobal® (Externato Paraíso dos Pequeninos e Colégio das
Terras de Santa Maria) sendo estes últimos, em grande parte,
responsáveis por torná-lo especial. Dois dos poemas deste livro, Catatua e Casuar foram musicados e cantados pelo grupo Music’@arte. O vídeo que vos deixo é sobre a Catatua.
Video do poema - https://www.youtube.com/watch?v=t81yLMTpLL4#t=15
Video do poema - https://www.youtube.com/watch?v=t81yLMTpLL4#t=15
"INVERNO", EUGÉNIO DE ANDRADE
Velho, velho, velho
Chegou o Inverno.
Chegou o Inverno.
Vem de sobretudo,
Vem de cachecol,
Vem de cachecol,
O chão onde passa
Parece um lençol.
Parece um lençol.
Esqueceu as luvas
Perto do fogão:
Perto do fogão:
Quando as procurou,
Roubara-as um cão.
Roubara-as um cão.
Com medo do frio
Encosta-se a nós:
Encosta-se a nós:
Dai-lhe café quente
Senão perde a voz.
Senão perde a voz.
Velho, velho, velho.
Chegou o Inverno.
Chegou o Inverno.
"O CARRINHO"
O vendedor ambulante
Vende muitas coisas boas
No verão compro-lhe gelados
E só gasto cinco coroas.
De inverno compro castanhas
Quentinhas, enfarruscadas.
No resto do ano, enfim,
Pevides e amendoim.
Gosto muito desta amigo
Que encontro pelo caminho
E às vezes penso comigo:
" Quem me dera o seu carrinho!"
"A CONSTIPAÇÃO DO CARACOL"
Senhor caracol
Andou pela horta
Passeio para aqui
Passeio para ali
Pauzinhos no ar
Cabecinha ao sol
Não tem cuidado
E depois
Atchim!
Senhor caracol
Ficou constipado
Hoje demanhã
Não saiu da casca
Não foi para a horta
Nem para o jardim.
Então
Lamentou-se:
Que grande arrelia!
Coitado de mim!
Ao saber do caso
A dona lagarta
Logo resolveu
Mandar-lhe uma carta
(Carta que transcrevo
e dizia assim:)
Senhor caracol:
Siga o meu conselho
Não torne para aí de cabeça ao léu
Quando andar ao sol
Ponha o seu chapéu!
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