sábado, 21 de fevereiro de 2015
A Fada das
Crianças
Do seu
longínquo reino cor-de-rosa,
Voando pela
noite silenciosa,
A fada das
crianças, vem, luzindo.
Papoulas a
coroam, e, cobrindo
Seu corpo
todo, a tornam misteriosa.
À criança
que dorme chega leve,
E, pondo-lhe
na fronte a mão de neve,
Os seus
cabelos de ouro acaricia—
E sonhos
lindos, como ninguém teve,
A sentir a
criança principia.
E todos os
brinquedos se transformam
Em coisas
vivas, e um cortejo formam:
Cavalos e
soldados e bonecas,
Ursos e
pretos, que vêm, vão e tornam,
E palhaços
que tocam em rabecas...
E há figuras
pequenas e engraçadas
Que brincam
e dão saltos e passadas...
Mas vem o
dia, e, leve e graciosa,
Pé ante pé,
volta a melhor das fadas
Ao seu
longínquo reino cor-de-rosa.
Fernando
Pessoa
A Língua de Nhem
Havia uma velhinha
que andava aborrecida
pois dava a sua vida
para falar com alguém.
que andava aborrecida
pois dava a sua vida
para falar com alguém.
E estava sempre em casa
a boa velhinha
resmungando sozinha:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...
a boa velhinha
resmungando sozinha:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...
O gato que dormia
no canto da cozinha
escutando a velhinha,
principiou também
no canto da cozinha
escutando a velhinha,
principiou também
a miar nessa língua
e se ela resmungava,
o gatinho a acompanhava:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...
e se ela resmungava,
o gatinho a acompanhava:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...
Depois veio o cachorro
da casa da vizinha,
pato, cabra e galinha
de cá, de lá, de além,
da casa da vizinha,
pato, cabra e galinha
de cá, de lá, de além,
e todos aprenderam
a falar noite e dia
naquela melodia
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...
a falar noite e dia
naquela melodia
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...
De modo que a velhinha
que muito padecia
por não ter companhia
nem falar com ninguém,
que muito padecia
por não ter companhia
nem falar com ninguém,
ficou toda contente,
pois mal a boca abria
tudo lhe respondia:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...
pois mal a boca abria
tudo lhe respondia:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...
Cecília Meireles
Tudo de pernas para o ar
Numa noite escura, escura,
o sol brilhava no céu.
Subi pela rua abaixo,
vestido de corpo ao léu.
Fui cair dentro de um poço
mais alto que a chaminé,
vi peixes a beber pão,
rãs a comerem café.
Construí a minha casa
com o telhado no chão
e a porta bem no cimo
para lá entrar de avião.
Na escola daquela terra
ensinavam trinta burros.
O professor aprendia
a dar coices e dar zurros.
In "Poemas da Mentira e da Verdade" Livros Horizonte
Luísa Ducla Soares
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