domingo, 13 de novembro de 2016

a fava


espero que me calhe aquela fava 
que é costume meter no bolo-rei: 
quer dizer que o comi, que o partilhei 
no natal com quem mais o partilhava 

numa ordem das coisas cuja lei 
de afectos e memória em nós se grava 
nalgum lugar da alma e que destrava 
tanta coisa sumida que, bem sei, 

pela sua presença cristaliza 
saudade e alegria em sons e brilhos, 
sabores, cores, luzes, estribilhos... 
e até por quem nos falta então se irisa 

na mais pobre semente a intensa dança 
de tempo adulto e tempo de criança. 

Vasco Graça Moura, in 'O Retrato de Francisca Matroco e Outros Poemas' 

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