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domingo, 13 de novembro de 2016

O Natal da Escola 


O natal vai à escola
com roupas de fantasia;
num bolso leva os sonhos
e no outro a poesia.

O natal pousa nos livros,
no quadro e nas carteiras
e deixa um pó de estrelas
no fundo das algibeiras.

E até o telemóvel
que na aula não deve entrar,
quando toca de repente
é o natal que vem lembrar.

O natal entra na escola,
na mochila e nos cadernos
e segreda ao ouvido
os votos que são eternos.

O natal é o recreio
que a campainha anuncia;
todos celebram contentes
o sentido desse dia.

Há quem lhe chame magia
e quem não lhe chame nada
este ano dão-se livros
com uma história ilustrada.

Essa história foi contada
de geração em geração
e hoje quem a conta
são os meninos que ali estão. 

(José Jorge Letria)

Natal Africano


Não há pinheiros nem há neve, 
Nada do que é convendonal, 
Nada daquilo que se escreve 
Ou que se diz... Mas é Natal. 

Que ar abafado! A chuva banha 
A terra, morna e vertical. 
Plantas da flora mais estranha, 
Aves da fauna tropical. 

Nem luz, nem cores, nem lembranças 
Da hora única e imortal. 
Somente o riso das crianças 
Que em toda a parte é sempre igual. 

Não há pastores nem ovelhas, 
Nada do que é tradicional. 
As orações, porém, são velhas 
E a noite é Noite de Natal. 

Cabral do Nascimento, in 'Cancioneiro' 

Prelúdio de Natal


Tudo principiava 
pela cúmplice neblina 
que vinha perfumada 
de lenha e tangerinas 

Só depois se rasgava 
a primeira cortina 
E dispersa e dourada 
no palco das vitrinas 

a festa começava 
entre odor a resina 
e gosto a noz-moscada 
e vozes femininas 

A cidade ficava 
sob a luz vespertina 
pelas montras cercada 
de paisagens alpinas. 

David Mourão-Ferreira, in 'Antologia Poética' 

A Árvore, a Estrela e a Pequena Mão


A pequena mão desenha a árvore 
onde uma estrela se aninha para dormir. 
Que dia será o de amanhã 
no meio dos escombros onde o eco da súplica 
enlouquece os cães famintos? 
Quadro trágico para uma noite assim. 
A pequena mão pega na borracha 
e tenta apagar toda a dor do mundo 
e acender com um novo traço 
a claridade que resgata a alma. 
A estrela acorda numa copa alta 
e segue o caminho do que sabe 
até encontrar a pequena mão 
que tudo reinventa à medida do que somos. 
Quando o encontro acontece 
já não é noite nem dia, tempo infinito, 
mas apenas um lugar onde o choro das crianças 
de súbito se transforma em cântico. 

A pequena mão desenha tudo 
o que falta desenhar para o sonho fazer sentido. 
É uma mão frágil mas firme, apenas sábia, 
e quando abre o livro azul das manhãs 
é sempre para escrever as palavras 
que o estrondo abafou nas cidades feridas. 
A pequena mão desenha uma árvore, 
uma estrela e uma mãe aflita. 
Depois desenha uma linha de horizonte, 
uma constelação e uma pequena arca. 
Um traço basta para criar a luz. 
Depois tudo é mistério e júbilo. 
Que ao menos esta noite ninguém se esqueça 
da árvore, da estrela, da lenda 
e da magia da pequena mão afagando a vida. 

José Jorge Letria, in 'Antologia Poética' 

Natal Chique


Percorro o dia, que esmorece 
Nas ruas cheias de rumor; 
Minha alma vã desaparece 
Na muita pressa e pouco amor. 

Hoje é Natal. Comprei um anjo, 
Dos que anunciam no jornal; 
Mas houve um etéreo desarranjo 
E o efeito em casa saiu mal. 

Valeu-me um príncipe esfarrapado 
A quem dão coroas no meio disto, 
Um moço doente, desanimado... 
Só esse pobre me pareceu Cristo. 

Vitorino Nemésio, in 'Antologia Poética' 

Último Poema


É Natal, nunca estive tão só. 
Nem sequer neva como nos versos 
do Pessoa ou nos bosques 
da Nova Inglaterra. 
Deixo os olhos correr 
entre o fulgor dos cravos 
e os dióspiros ardendo na sombra. 
Quem assim tem o verão 
dentro de casa 
não devia queixar-se de estar só, 
não devia. 

Eugénio de Andrade, in 'Rente ao Dizer' 

Em Cruz não Era Acabado


As crianças viravam as folhas 
dos dias enevoados 
e da página do Natal 
nasciam os montes prateados 

da infância. Intérmina, a mãe 
fazia o bolo unido e quente 
da noite na boca das crianças 
acordadas de repente. 

Torres e ovelhas de barro 
que do armário saíam 
para formar a cidade 
onde o menino nascia. 

Menino pronunciado 
como uma palavra vagarosa 
que terminava numa cruz 
e começava numa rosa. 

Natal bordado por tias 
que teciam com seus dedos 
estradas que então havia 
para a capital dos brinquedos. 

E as crianças com a tinta invisível 
do medo de serem futuro 
escreviam os seus pedidos 
no muro que dava para o impossível, 

chão de estrelas onde dançavam 
a sua louca identidade 
de serem no dicionário 
da dor futura: saudade. 

Natália Correia, in 'O Dilúvio e a Pomba' 

a fava


espero que me calhe aquela fava 
que é costume meter no bolo-rei: 
quer dizer que o comi, que o partilhei 
no natal com quem mais o partilhava 

numa ordem das coisas cuja lei 
de afectos e memória em nós se grava 
nalgum lugar da alma e que destrava 
tanta coisa sumida que, bem sei, 

pela sua presença cristaliza 
saudade e alegria em sons e brilhos, 
sabores, cores, luzes, estribilhos... 
e até por quem nos falta então se irisa 

na mais pobre semente a intensa dança 
de tempo adulto e tempo de criança. 

Vasco Graça Moura, in 'O Retrato de Francisca Matroco e Outros Poemas' 

Não Digo do Natal


Não digo do Natal – digo da nata 
do tempo que se coalha com o frio 
e nos fica branquíssima e exacta 
nas mãos que não sabem de que cio 

nasceu esta semente; mas que invade 
esses tempos relíquidos e pardos 
e faz assim que o coração se agrade 
de terrenos de pedras e de cardos 

por dezembros cobertos. Só então 
é que descobre dias de brancura 
esta nova pupila, outra visão, 

e as cores da terra são feroz loucura 
moídas numa só, e feitas pão 
com que a vida resiste, e anda, e dura. 

Pedro Tamen, in 'Antologia Poética' 

Natal, e não Dezembro


Entremos, apressados, friorentos, 
numa gruta, no bojo de um navio, 
num presépio, num prédio, num presídio, 
no prédio que amanhã for demolido... 
Entremos, inseguros, mas entremos. 
Entremos, e depressa, em qualquer sítio, 
porque esta noite chama-se Dezembro, 
porque sofremos, porque temos frio. 

Entremos, dois a dois: somos duzentos, 
duzentos mil, doze milhões de nada. 
Procuremos o rastro de uma casa, 
a cave, a gruta, o sulco de uma nave... 
Entremos, despojados, mas entremos. 
Das mãos dadas talvez o fogo nasça, 
talvez seja Natal e não Dezembro, 
talvez universal a consoada. 

David Mourão-Ferreira, in 'Cancioneiro de Natal' 

Chove. É Dia de Natal


Chove. É dia de Natal. 
Lá para o Norte é melhor: 
Há a neve que faz mal, 
E o frio que ainda é pior. 

E toda a gente é contente 
Porque é dia de o ficar. 
Chove no Natal presente. 
Antes isso que nevar. 

Pois apesar de ser esse 
O Natal da convenção, 
Quando o corpo me arrefece 
Tenho o frio e Natal não. 

Deixo sentir a quem quadra 
E o Natal a quem o fez, 
Pois se escrevo ainda outra quadra 
Fico gelado dos pés. 

Fernando Pessoa, in 'Cancioneiro'