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sábado, 14 de novembro de 2015

As lições, Ana Hatherly

 

Ensinaram-me a falar
aprendi a escrever.


Ensinaram-me a escrever
aprendi a falar.


Ensinaram-me a ler
aprendi a ver.


Ensinaram-me a ouvir
aprendi a calar.


Ensinaram-me a pedir
aprendi a dar.


Ensinaram-me a comprar
aprendi a ter.


Ensinaram-me a beber
aprendi a rir.


Ensinaram-me a fugir
aprendi a ficar.


Ensinaram-me a aprender
aprendi a ignorar.


Ensinaram-me a amar
aprendi a criar.


Ensinaram-me a viver
aprendi a morrer.


Ensinaram-me a estar só
aprendi a estar.


Ensinaram-me a ser livre
aprendi a ser.


 Ana Hatherly, in Antologia da poesia portuguesa. Org. M. Alberta Meneres, E. M. de Melo e Castro. Vol. 2: 1940-1977, Lisboa : Moraes, 1979.

 



“Cantiga ao desafio”, Alice Vieira


– Menina, que sabe ler,
também sabe soletrar!
Diga lá, minha menina:
quantos peixes há no mar?
 
– Quantos peixes há no mar?
eu já te vou responder
São metade e outros tantos
fora os que ainda estão por nascer.

- Diz-me lá, ó cantador,
quantas penas tem um pato?
quantos picos um ouriço,
quantos cabelos um gato?

-Menina, perguntas bem,
agora respondo eu:
penas, picos e cabelos
só têm os que Deus lhe deu.

-Tenho duzentos lencinhos,
um coroa em cada ponta:
ó menina que é tão fina,
faça-me lá essa conta!

-São quatrocentos mil réis
nem é preciso escrever,
que és um belo cantador
já ficámos a saber.

– Menina que tanto sabe,
responda a esta pergunta:
que ciência tem o mar,
que tanta água em si junta?

– A ciência que o mar tem,
não é coisa de pasmar:
não há rio nem regato
que ao mar não vá parar. 

Alice Vieira, Eu bem vi nascer o sol, Caminho

A propósito de estrelas, Adília Lopes

Não sei se me interessei pelo rapaz
por ele se interessar por estrelas
se me interessei por estrelas por me interessar
pelo rapaz hoje quando penso no rapaz
penso em estrelas e quando penso em estrelas
penso no rapaz como me parece
que me vou ocupar com as estrelas
até ao fim dos meus dias parece-me que
não vou deixar de me interessar pelo rapaz
até ao fim dos meus dias
nunca saberei se me interesso por estrelas
se me interesso por um rapaz que se interessa
por estrelas já não me lembro
se vi primeiro as estrelas
se vi primeiro o rapaz
se quando vi o rapaz vi as estrelas


Pastor, Matilde Rosa Araújo


Meu cão:

seus olhos castanhos,
tamanhos
de compreensão.

Meu cão:
seus olhos castanhos,
tamanhos
de mansidão.

Seu nome é Pastor:
seus olhos castanhos,
tamanhos
de amor.
Meu cão..


in O livro da Tila : cantigas pequeninas

 História do Sr. Mar – Matilde Rosa Araújo

Deixa contar…
Era uma vez
O Senhor Mar
Com muita onda…
Com muita onda…
E depois?
E depois…
Ondinha vai…
Ondinha vem…
Ondinha vai…
Ondinha vem…
E depois…
A menina adormeceu nos braços de sua mãe!

(O Livro da Tila)

"Caixinha de Música", Matilde Rosa Araújo

Grilo, grilarim,
Tens um canto azul
Na noite de cetim!

Cigarra, cigarraia,
Tens um canto branco
No dia de cambraia!

Formiga, miga, miga,
Só tu cantas os nadas
Do silêncio do sol,
Das estrelas caladas...

Araújo,Matilde Rosa - Livro da Tila. Coimbra:Atlântida Editora,1973,p.41
Cavalinho, cavalinho, Matilde Rosa Araújo

Cavalinho, cavalinho,
Que baloiça e nunca tomba:
Ao montar meu cavalinho
Voo mais que uma pomba!

Cavalinho, cavalinho,
De madeira mal pintada:
Ao montar meu cavalinho
As nuvens são minha estrada!

Cavalinho, cavalinho,
Que meu pai me ofereceu:
Ao montar meu cavalinho
Toco as estrelas do céu!

Cavalinho, cavalinho,
Já chegam meus pés ao chão:
Ao montar meu cavalinho
Que triste meu coração!...

Cavalinho, cavalinho,
Passou tempo sem medida:
Tu continuaste baixinho
E eu tornei-me tão crescida.

Cavalinho, cavalinho,
Porque não cresces comigo?
Que tristeza, cavalinho,
Que saudades, meu Amigo.